segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Marina Silva fala sobre a perda de Zilda Arns

        Em missão no Haiti

Denis Ferreira Netto/Futura Press
O corpo de Zilda Arns é velado no Palácio das Araucárias em Curitiba
O corpo de Zilda Arns é velado no Palácio das Araucárias em Curitiba
Marina Silva
De Brasília (DF)

É muito chocante e triste a perda, mas ao mesmo tempo é um sinal de esperança na humanidade o fato de Zilda Arns, aos 75 anos e com um trabalho reconhecido mundialmente, não ter se deixado levar pelo prestígio e unânime admiração, pela tentação legítima da aposentadoria merecida junto aos filhos e netos, e ter terminado sua missão no Haiti, um país com 80% da população em situação de miséria. E fazendo uma palestra para, mais uma vez, exortar à solidariedade com os mais frágeis, à compaixão, ao afeto e ao compartilhamento de conhecimentos como ferramentas para recuperar e salvar pessoas, mesmo em realidades aparentemente irrecuperáveis.
Morreu junto dos mais pobres entre os pobres. Tentando fazer algo por um país que muitos consideram inviável.
Zilda Arns sempre foi uma presença discreta, mas decisiva - com a imponência e a confiança daquele sorriso tranquilo e indestrutível - em favor dos que têm tão pouco que chegam a pensar que não têm nada. A doutora Zilda demonstrava que era possível reagir sempre e recuperar a dignidade, tão emblematicamente estampada na infância que rebrota vigorosa em crianças que pareciam condenadas, desde cedo, a perder o viço e a vontade de viver.
O que está acontecendo no Haiti é dramático demais, atinge todos os limites da dor. E o Brasil está profundamente ligado a tudo isso. Antes, pelo trabalho de coordenação da força de paz da ONU no país. Agora, pelos militares e civis brasileiros mortos. E por Zilda Arns, amada em tantos países para onde levou o trabalho da Pastoral da Criança - fundada por ela em 1983 - e sua receita de compromisso e persistência na luta contra a desnutrição e a morte prematura, baseada principalmente na afirmação do papel fundamental da família, no fortalecimento da comunidade, no cuidado amoroso com as pessoas e em soluções simples, como o soro caseiro e a multimistura.
Como bem disse o senador Pedro Simon, ela também "morreu em combate". Lutava por um mundo mais justo, mais humano, mais solidário e mais bonito, com gente mais feliz.
Zilda Arns leria um discurso num encontro de religiosos no Haiti, no qual relataria que a Pastoral da Criança nasceu inspirada na passagem bíblica que narra a multiplicação dos pães e dos peixes por Jesus.
Com a certeza de que temos todos que tentar ser um pouco Zilda Arns, tomo a liberdade de dar a ela a palavra para encerrar este artigo, com trechos do seu discurso. São seus últimos ensinamentos. Que saibamos aprendê-los e praticá-los:
"A solução para a maioria dos problemas sociais está relacionada à urgente redução das desigualdades, com a eliminação da corrupção, com a promoção da justiça social, com o acesso à saúde e à educação de qualidade, a ajuda financeira e técnica mútua entre as nações, para a preservação e recuperação do meio ambiente (...) O mundo está despertando para os sinais da calamidade ambiental, que se manifestam nos desastres naturais mais intensos e frequentes".
"A grande crise econômica demonstrou a interrelação entre os países. Para não sucumbir, exige-se solidariedade entre as nações. Essa solidariedade e fraternidndade é o que o mundo mais necessita para sobreviver e encontrar o caminho da paz".
"Toda a experiência nos mostra como a sociedade organizada pode ser protagonista de sua transformação. Neste espírito, ao fortalecer os laços com a comunidade, podemos encontrar as soluções para os graves problemas sociais que afetam as famílias pobres".


Marina Silva é professora de ensino médio, senadora (PV-AC) e ex-ministra do Meio Ambiente.

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Érica Sena
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