Sei que é longo, mas vale a pena ler este artigo -Érica Sena
Tudo no mundo anda mais complicado. E parece que nada e ninguém consegue evitar um tendência contínua de complexidade crescente. Mas, quando cheguei aqui, prometi usar a simplicidade como bandeira. E vou manter a promessa! Riscos de errar? A melhor estratégia para reduzir o risco de cometer grandes erros é informar-se. Estudar, pesquisar, entender. Principalmente quando se está diante de coisas de difícil compreensão.
Num certo dia, no meio de dezembro do ano passado, choveu muito em Sampa. Já aprendi que, quando chove muito, a cidade de São Paulo se complica mais. E foi essa a motivação que me levou a procurar entender o que acontece nessa hora de muita chuva. Saí atrás de fontes de informação e agora tento dividir aqui com vocês as lições aprendidas, de forma simples.
Pra começar, uma constatação paradoxal: se chove muito, por que às vezes falta água? A partir desse questionamento, fui atrás de conhecimento para compreender esta situação um tanto complexa.
Água é algo que sempre esteve em nossas vidas. Afinal, nascemos dentro dela. Temos até a impressão de que conhecemos tudo de água. Talvez isso tenha sido verdade no passado, quando o planeta era outro e a água também. O essencial da água ainda vale: quando derramada em algum lugar, ela corre para o ponto mais baixo e molha o caminho por onde passa. Na superfície do planeta, os rios correm nesses pontos mais baixos. Rios sempre foram uma fonte segura de água, exercendo um papel importante na formação das cidades. Mais perto ou um pouco mais longe, as cidades tinham que contar com um rio como fonte de água.
É para esses rios que corre a água da chuva. Não importa se ela cai no topo da colina ou no meio do morro, a água sempre vai em direção do ponto mais baixo. E lá está o rio que, se chove muito, enche de água. Enche tanto que, em alguns locais, a água ultrapassa as suas margens e inunda os terrenos ao lado do leito principal, formando aqueles alagados temporários que chamamos de várzeas. A várzea é parte do rio cheio e, portanto, desaparece quando o volume de água diminui.
Fizemos as cidades perto dos rios e até aproveitamos o seu traçado para orientar as ruas e avenidas – muitas delas bem ao seu lado. Acontece que as cidades foram atraindo pessoas e começaram a crescer. Para crescer, foi preciso arrumar mais chão. Chão para colocar ruas e avenidas, praças e jardins e construir mais casas. Nas grandes cidades cortadas por rios, a alternativa foi roubar esse chão dos rios. Algo como forçar o rio a correr apenas dentro de certos limites, duas linhas paralelas definidas por muros de concreto, como se o rio aceitasse a restrição de se comportar educadamente e se limitar a correr no espaço que lhe foi concedido. Afinal, ao seu redor estão importantes ruas e avenidas, túneis e viadutos e gente morando. Muita gente em casas e prédios.
Como se não bastasse essa tentativa de impor um código de conduta aos rios, boa parte do terreno ao seu redor – que antes era terra pura e que, por isto, absorvia parte da água da chuva que por aí se infiltrava – foi devidamente impermeabilizada com calçadas, asfalto e moradias. Simples e fácil de entender que, agora, quando a água cai no alto do morro, ela não mais se infiltra ao longo do trajeto até o rio, pois esse percurso tornou-se impermeável. Vai tudo direto para o ponto mais baixo do terreno, onde está o rio devidamente “educado” para correr somente entre seus muros de concreto.
Tem mais. No caminho para o rio, essa água que cai, e que não consegue se infiltrar mais na terra, forma enxurradas que “limpam” tudo por onde passam. Limpam levando o lixo da ruas e calçadas para dentro dos rios. E os rios, que já tinham sido condenados a seguir adiante entre dois muros, agora também têm seu leito invadido por detritos, perdendo profundidade. E com isso, sobra menos espaço para a água passar.
Aí está uma descrição básica de quase tudo que acontece quando chove muito nas grandes cidades. Os rios transbordam e inundam tudo o que está ao seu redor, mas não podem ser culpados por isto. Eles não transbordam porque querem e sim porque não têm alternativa. Afinal, fomos nós que limitamos suas margens, impermeabilizamos todo o solo ao seu redor e reduzimos a sua profundidade jogando lixo nas ruas. E, em alguns locais, fizemos ainda pior: quando o rio era menor, resolvemos que poderíamos fazê-lo correr dentro de um tubo de concreto para aproveitar o espaço do seu leito com uma avenida. E a placa da obra vai ostentar o orgulhoso título de “rio canalizado”. Sem dúvida, um cenário complexo. Mas que pode ser descomplicado, pelo menos em parte.
Começando pelo mais simples, precisamos parar de jogar lixo nas ruas e calçadas. Sinto falta de cestos de lixo nas ruas de São Paulo. Sem elas, o papelzinho do chocolate, a guimba do cigarro e a nota fiscal do almoço no “quilo” vão parar no chão. Nem pensar que basta colocar latas de lixo por aí para que, em uma semana, todo mundo pare de jogar lixo no chão! Leva tempo, mas o tempo cria o hábito.
Em seguida, algo mais complicado de fazer: será que não chegou a hora de pensarmos em devolver aos rios o chão que sempre lhes pertenceu? E que tal darmos a esse mesmo chão alguma chance de absorver um pouco da água que a chuva despeja? Canteiros de terra viva podem bem ter essa função. Com flores ou apenas uma graminha, ficariam até melhores de se ver!
Outra alternativa, um pouco mais sofisticada, seria reduzir a carga de trabalho dos rios diminuindo o volume de água que chega a eles durante as chuvas. O conceito é simples: basta reter a água da chuva, que cai nos tetos de maior dimensão, nos reservatórios que hoje armazenam a água tratada pelas concessionárias. Olhem só este grande teto de uma conhecida construção em São Paulo e observem a quantidade de água que ele armazena durante a chuva:
Armazenar a água das chuvas serve não só para reduzir o volume de água que chega aos rios, mas principalmente para diminuir o consumo da água tratada, que acaba faltando quando chega a época da seca. Ou que falta mesmo em época de chuvas, quando os rios se enchem muito e sujam os mananciais de lama. E esse paradoxo é causa de outros tantos fatos, pouco explicáveis como o que se observa nesta imagem:
Do lado direito, um teto enorme, ideal para se coletar água da chuva. E do lado esquerdo, um caminhão com equipamentos de perfuração para construir um poço artesiano. Vale lembrar que os poços artesianos vão em busca da água que está no subsolo e que só estará aí se houver infiltração no solo.
Alguém pode estar se perguntando se os problemas ocasionados pela inclemência do tempo sempre existiram. A melhor resposta que eu encontrei diz que “não”, porque o tempo não foi sempre como é hoje. A mesma civilização que emparedou os rios e plastificou o solo está fazendo outras coisas que interferem no comportamento do tempo. Foi aí que me lembrei da primeira vez que ouvi falar sobre a saúde do meio ambiente. Corria o ano de 1974 e me caiu nas mãos um livro chamado “Os oito erros capitais do mundo moderno”, escrito por Konrad Lorenz, um cientista que havia ganhado o Prêmio Nobel de Medicina no ano anterior. Um desses oito erros estava descrito no terceiro capítulo do livro, que se chama “A devastação do ambiente”. Deve ter sido essa a primeira vez em que li algo a respeito de ecologia. E, ao longo desses mais de 30 anos, pode ser que a consciência do problema descrito pelo Lorenz tenha aumentado, mas os resultados obtidos para a sua solução foram apenas modestos.
Enquanto seguia na busca de conhecimento para entender o lado mais complexo de certas coisas, a COP 15, uma conferência global destinada a resolver os problemas relacionados com o clima do planeta, chegou ao fim com pouquíssimos resultados objetivos. De fato, o que se ouviu foi o que sempre se ouve nessas reuniões internacionais que pretendem melhorar o universo: muitas frases de efeito, pancadaria em doses homeopática, alguns detidos transitórios, queixas e reclamações de parte a parte e um resultado final sem muito significado. Talvez a maior novidade dessa última reunião tenha sido o seu caráter bastante festivo, como se fosse possível produzir uma ecorave ou um ecopagode. É festa e pronto!
Dezembro caminhou um pouco mais, pronto para levar com ele o fim do último ano desta primeira década no século XXI, e o clima não deixou por menos! Voltou raivoso, inclemente, inundando praças centenárias, rompendo pontes, desmoronando morros e matando gente. Até comecei a me informar sobre declividade de terreno, porosidade do solo, cartas geológicas, mas o impacto foi tão forte que eu perdi o fôlego para seguir adiante. Parei aqui.
Querida, a vida aqui é assim, chove e para, num ciclo tão doido que nos não vimos tudo.
ResponderExcluirNão esqueça o Amazonas corria pro Oeste, antes de "crescer" os Andes...vivemos numa casca dura em cima de uma meleca quente!
Agora se deixam o homem fazer casas em locais de risco, se fazem estradas em área de inudação ou morros, temos de esperar pra ver a tristeza de alguns.
Sem falar no poder da economia, que a desgraça fica pior, como no Taiti.
Fica calma e reza, pra não estar na hora e no lugar que pode te trazer supresas...
BOA SORTE.