O debate ambiental brasileiro ainda é cosmético. É preciso incorporar
 cuidados na produção e no modelo econômico para que haja um real 
compromisso com o futuro.
O Brasil assumiu frente à comunidade internacional um papel de 
destaque em relação a temas ambientais, especialmente quando se trata de
 mudanças climáticas. O País avançou ao estabelecer metas de redução de 
suas emissões de carbono e ao anunciar para o mundo a vontade de reduzir
 substancialmente o desmatamento da Amazônia. No entanto, ainda há pouco
 o que comemorar no que tange à sustentabilidade. Será preciso que os 
avanços saiam das intensões e cheguem ao rés do chão, onde a Amazônia 
ainda perde em poucos meses mesma área que será alagada pela polêmica 
usina de Belo Monte, 500 quilômetros quadrados.
O crescimento econômico esperado para os próximos anos deverá ser 
acompanhado de políticas ambientais que pensem o modelo de 
desenvolvimento e de contrapartidas das empresas de forma integrada. 
Empresas tem licença para operar e devem contribuir para a preservação 
da qualidade de vida da sociedade onde atuam. Governos também devem 
pensar de forma integrada. Na renuncia fiscal oferecida à indústria 
durante a crise financeira de 2009, quando carros e eletrodomésticos 
passaram a recolher menos tributos, não foram exigidas contrapartidas de
 aperfeiçoamento de produtos, como maior eficiência energética no uso de
 combustíveis e menor emissão de carbono e outros poluentes. Uma 
oportunidade perdida e uma lição de políticas públicas devem ser 
integradas.
Exemplo do descompasso entre organismos de governos é a importação de
 produtos tóxicos para uso na agricultura e na indústria, sem que haja 
controles efetivos sobre sua destinação. É o caso, por exemplo, do 
endosulfan, classificado como altamente tóxico pelo Ministério da Saúde e
 que o Ibama considera danoso para o meio ambiente, mas que ainda é 
usado em culturas de café, algodão e soja. Quase 2,4 mil toneladas deste
 produto foram importadas em 2009 segundo dados da Secretaria de 
Comércio Exterior. Nos Estados Unidos é forte o movimento contra a 
fabricação e uso desta substância que, segundo artigo do professor 
Philip C. Scott, do Instituto de Ciências Biológicas e Ambientais do Rio
 de Janeiro, tem na natureza um efeito devastador, como conta um 
agricultor do Benin: “Os campos fedem por dois a três dias após a 
aplicação pois praticamente qualquer ser vivo foi morto e tudo começa a 
apodrecer”. E o pesquisador acrescenta: “Os peixes são particularmente 
sensíveis ao endosulfan. Eles tem hemorragias violentas.”
No campo social o País precisa enfrentar a precariedade das condições
 de vida nas periferias das grandes cidades, um dos piores habitats que a
 humanidade já conseguiu criar. São milhões de pessoas que vivem com a 
presença precária do Estado ou sua completa ausência. Dados da Comissão 
Econômica para a América Latina – Cepal  mostram que 44% da população da
 região  vive em favelas ou em periferias urbanas com condições 
precárias de sobrevivência. São problemas relacionados à baixa oferta de
 educação e saúde, transportes e, principalmente, segurança pública. 
Neste cenários o futuro dos jovens é apontado por eles mesmos como a 
cadeira de rodas, cadeia ou o cemitério. Poucos acreditam na 
possibilidade concreta de romper o circulo vicioso da pobreza, da 
violências e da falta de oportunidades, o tráfico e o consumo de drogas 
são percebidos como alternativa.
No mundo rural o Brasil que tapa o sol com a peneira declama os 
livros de história e cita uma princesa, Isabel, como libertadora dos 
escravos em 1888. Solenemente ignora que as equipes de fiscalização do 
Ministério do Trabalho libertam o tempo todo seres humanos submetidos à 
condição análoga ao trabalho escravo em fazendas  por todo o País. De 
1995 a 2009 foram 35 mil pessoas libertadas de fazendeiros que segundo a
 ONG Repórter Brasil, especializada neste tema, nada tem de 
desinformados. “As ações fiscais demonstram que quem escraviza no Brasil
 não são proprietários desinformados, escondidos em propriedades 
atrasadas e arcaicas. Pelo contrário, são grandes latifundiários, que 
produzem com alta tecnologia para o grande mercado consumidor interno ou
 para o mercado internacional. Não raro, nas fazendas são identificados 
campos de pouso de aviões dos fazendeiros. O gado recebe tratamento de 
primeira: rações balanceadas, vacinação com controle computadorizado, 
controle de natalidade com inseminação artificial, enquanto os 
trabalhadores vivem em piores condições do que as dos animais”, mostra a
 explicação no site da entidade.
Os dados acima servem apenas para mostrar que mesmo com todos os 
avanços dos últimos anos e com o crescimento econômico que lança o 
Brasil como protagonista em temas globais, há muito a ser feito para o 
País possa realmente alçar à estatura de país desenvolvido. E um dos 
aspectos mais importantes dessa transformação talvez esteja em um dos 
pontos mais criticados da política ambiental brasileira, o licenciamento
 ambiental. Há quem diga que foi o rigor nas exigências de 
contrapartidas ambientais para emitir o licenciamento foi o que derrubou
 Marina Silva do posto de ministra. No entanto, para que o 
desenvolvimento presente tenha um real compromisso com o futuro é 
necessário que as questões ligadas ao licenciamento de grandes e 
pequenas obras tenham em mente não apenas os benefícios, mas as 
possibilidades de impactos futuros.
Esta semana o presidente da Britsh Petroleum, Tony Hayward, disse que
 a empresa não estava preparada para enfrentar um vazamento como o que 
está ocorrendo no Golfo do México. Ou seja, e empresa assumiu riscos 
acima de sua capacidade de resolver os problemas que poderia causar. Em 
termos financeiros os prejuízos estão estimados em cerca de US$ 14 
bilhões, no entanto, no terreno ambiental diversas espécies de animais 
entraram em risco de extinção na região atingida, como as tartarugas 
oliva e de couro, a baleia cachalote, algumas aves, e o esturjão. “Há 
centenas de aves e mamíferos marinhos que são muito sensíveis ao 
petróleo”, disse o professor Michael Blum, do Departamento de Ecologia e
 Biologia Evolutiva da Universidade de Tulane, em Nova Orleans. 
“Espécies inteiras podem desaparecer”, explicou. Isto sem contar as 
atividades econômicas ligadas à pesca que, além dos prejuízos do 
presente enfrentam a incerteza de que haverá peixes no futuro.
As preocupações ambientais não devem se restringir ao presente e às 
necessidades futuras de bens, serviços e energia, e estas demandas não 
podem servir como desculpa para a flexibilização de normas e leis que 
impõem rigor nas exigências de garantias a empreendimentos de grande 
impacto. Uma das áreas hoje dispensadas de relatórios de impactos 
ambientais (RIMA) e que deveria ser tratada com mais rigor é o 
agronegócio. São empreendimentos empresariais de grande porte que não 
estão sujeitos às mesmas regras que indústrias ou obres de 
infra-estrutura em sua implantação. No entanto são potencialmente tão ou
 mais impactantes quanto qualquer outra atividade empresarial.
O crescimento das atividades econômicas nos próximos anos vai 
precisar de mais cuidado com os impactos sociais e ambientais dos 
empreendimentos. Isto não significa o impedimento dos negócios, mas sim 
sua realização dentro de conceitos mais amplos de sustentabilidade, com 
preocupações em relação à exploração e utilização de recursos naturais, à
 escolha de energias mais limpas e com forte planejamento de ciclo de 
vida de produtos, de forma a permitir que tudo possa, ao final, ser 
encaminhado à reciclagem ou reuso de matérias primas. Este planejamento é
 essencial porque a expectativa de crescimento de consumo das famílias 
brasileiras é bastante estimulante. Dados da Federação do Comércio do 
Estado de São mostram que em 2013 bens os gastos com bens e serviços 
estarão em R$ 2,42 trilhões, enquanto em 2020 os números chegam a quase 
R$ 3,3 trilhões.
Um exemplo do impacto que este crescimento de renda tem sobre temas 
ambientais é a transição tecnológica que se opera com a compra de novos 
equipamentos eletroeletrônicos. A mudança da TV tradicional, e de 
monitores de computadores com tubo de imagem,  por tecnologias de LCD, 
plasma ou LED vai lavar ao descarte milhões de unidades de tubos de 
imagem que ainda não contam com tecnologia apropriada de reciclagem. 
Daqui para a frente um novo produto deve ser pensado em todos os seus 
usos e impactos. No final de sua vida útil não pode se tornar um resíduo
 descartado na natureza ou em aterros sanitários.
Desenvolvimento sustentável não significa restrições às atividades 
econômicas e de infra-estrutura, mas sim que estas atividades sejam 
realizadas para oferecer mais qualidade de vida à sociedade e dentro de 
padrões e garantias mais completos de segurança operacional de uso 
responsável de recursos naturais.(Agência Envolverde- Dal Marcondes)
Fonte: Mercado Ético, 09/06 
