O curauá, vegetação típica da Amazônia, é usado na fabricação de peças para nove modelos da indústria automobilística. Parecido com o abacaxi, substitui a fibra sintética
Lavradores de Santarém trabalham na colheita do curauá, vegetação da Amazônia usada por indústrias por ser resistente e leve
Que
tipo de relação pode existir entre o carro que você dirige e uma planta
semelhante ao abacaxi? Curiosamente, as mais intrínsecas. Modelos como
Fox, Gol, Astra Sedan e Pajero levam, em peças como a tampa dos
porta-malas e o teto, a fibra de uma vegetação chamada curauá. Planta
típica da Amazônia paraense, ela tem a aparência do ananás, mas sem
espinhos. Nove modelos de quatro montadoras automobilísticas já utilizam
o componente no processo de fabricação, como uma forma de reduzir o
impacto no meio ambiente, uma vez que a fibra natural substitui parte da
sintética, oriunda de fontes não renováveis. “As vantagens são as mais
variadas. Além de ser biodegradável, o curauá não tem cheiro, gera maior
leveza e resistência às peças”, diz Alberico Pasquetto Jr., diretor da
Pematec Triangel, empresa pioneira no processamento da planta, com
faturamento anual de R$ 120 milhões.
A ligação entre o curauá e a indústria automobilística começou em 1999, quando Karl Hirtreiter, executivo alemão da Volkswagen à época responsável pelo projeto de desenvolvimento do modelo Fox, exigiu dos fornecedores da companhia a utilização de materiais mais amigáveis ao planeta. Sem a menor ideia de como atender ao pedido, funcionários da Pematec, fabricante de autopeças, foram parar na Alemanha em busca de novas tecnologias. Lá, foram informados por executivos europeus que a solução para o desafio imposto pela montadora estava mais próxima do que imaginavam.
“Eles nos disseram: vocês estão no caminho errado. No Brasil já existem pesquisas com uma fibra natural muito mais resistente do que as que conhecemos aqui”, afirma Pasquetto, ao lembrar da primeira vez em que ouviu falar em curauá. A descoberta desse parente do abacaxi, porém, é pré-colombiana. Os povos primitivos da floresta já usavam a planta para amarrar embarcações, fazer redes e cestaria. Séculos antes da indústria automobilística, eles sabiam que a fibra extraída das longas folhas do vegetal era mais resistente se comparada, por exemplo, à da malva ou da juta. A robustez do curauá é conhecida até mesmo na literatura. De tão forte, era usado por Macunaíma, personagem do escritor Mário de Andrade, para amarrar os bichos.
Mas a planta tem também desvantagens. Para crescer (ela chega a atingir um metro e meio de altura), precisa de condições específicas, como solo seco e arenoso, e muito sol. Foi por isso que, em 2004, Pasquetto, um cidadão de hábitos tipicamente paulistanos, teve de deixar São Paulo rumo a Santarém, no Pará, para tocar o novo negócio da Pematec. “Até tentamos trazer umas mudas de curauá para perto da nossa sede, em São Bernardo do Campo, mas no primeiro inverno, perdemos tudo”, diz.
A empresa ergueu no Norte do país duas novas fábricas – uma para o desfibramento da planta e outra para transformar o vegetal em uma espécie de manta utilizada nas peças. A companhia adquiriu ainda uma fazenda para cultivar a matéria-prima, num total de R$ 26 milhões em investimentos, sem contar os incentivos fiscais do governo do Estado.
Mais do que benefícios ao meio ambiente, o projeto da Pematec tem um forte cunho social. O curauá é cultivado na região de Santarém por cerca de 300 famílias, que antes da chegada da companhia viviam basicamente da agricultura de subsistência. Agora o trabalho no campo rende aos envolvidos cerca de R$ 900 ao mês. À empresa, cabe o auxílio técnico aos lavradores e a garantia da compra total da produção. Já do ponto de vista econômico, a fibra natural é competitiva, mas não chega a ser mais barata do que a sintética.
O processamento é simples. Depois de colhida, a planta passa por um motor semelhante aos usados para moer cana, é lavada num tanque e colocada para secar numa centrifugadora. Em outra máquina, a fibra é cortada e aberta até ser transformada na manta natural. Já na unidade da empresa na Grande São Paulo, esse material recebe fibra sintética e é usado na fabricação de teto de carros, tampa de porta-malas e laterais de portas. Por mês, 170 toneladas de fibras são industrializadas nas unidades de Santarém.
Mas, afinal, como é que a Volkswagen entra nessa história de inovação? Lá no início, quando a Pematec começou a desenvolver o projeto curauá, a montadora colaborou com suporte técnico e ajudou a desenhar as peças. Também se comprometeu a comprar, durante sete anos, a produção da empresa. Como convencer a matriz, na Alemanha, a apostar em uma fibra até então desconhecida e com características tão peculiares? “Imagine chegar para seu chefe e dizer: eu quero fazer um veículo que é vendido no mundo todo com uma fibra nunca antes usada, que só dá na Amazônia e parece um abacaxi”, diz Antonio Carnielli Jr., gerente de planejamento e desenvolvimento de produto da Volkswagen. E eles toparam. “Risco existe, como em tudo o que fazemos. Mas, a partir do momento em que provamos que estamos pensando no meio ambiente, fica mais fácil trabalhar com a matriz”, diz Carnielli. “O fato de ser uma empresa alemã também ajudou muito.”
Depois disso, a batalha foi tirar o projeto do papel. Foram mais de três anos de pesquisas até chegar a uma peça com características satisfatórias. Um dos problemas enfrentados era o fato de o curauá apresentar rigidez além da desejada, o que fazia com que o teto envergasse sobre a cabeça do passageiro. Depois de uma série de adequações, a questão foi solucionada, mas a fibra ainda precisava passar por uma sucessão de testes, uma vez que os carros são exportados para países com temperaturas que variam de menos de zero a mais de 40 graus Celsius. “Fiquei muitas noites sem dormir”, afirma Carnielli. Valeu a pena. Mais de um terço dos veículos produzidos pela Volkswagen no Brasil em 2008 tem o interior revestido com a fibra. Neste ano, o volume deve aumentar de 300 mil para 500 mil carros.
Outras montadoras também já estavam de olho na planta. A Mitsubishi, a General Motors e a Honda também têm modelos que usam a fibra natural. O curauá tornou-se tão popular que a Pematec já está aplicando a vegetação em calçados, colchões, estofados e na construção civil. “O grande gargalo é a produção de mudas. Ainda não temos quantidade suficiente para aumentar o volume vendido”, diz Pasquetto. Enquanto isso, indústrias de variados setores desafiam os fornecedores a encontrar soluções tão criativas quanto às do parente do abacaxi.
A ligação entre o curauá e a indústria automobilística começou em 1999, quando Karl Hirtreiter, executivo alemão da Volkswagen à época responsável pelo projeto de desenvolvimento do modelo Fox, exigiu dos fornecedores da companhia a utilização de materiais mais amigáveis ao planeta. Sem a menor ideia de como atender ao pedido, funcionários da Pematec, fabricante de autopeças, foram parar na Alemanha em busca de novas tecnologias. Lá, foram informados por executivos europeus que a solução para o desafio imposto pela montadora estava mais próxima do que imaginavam.
“Eles nos disseram: vocês estão no caminho errado. No Brasil já existem pesquisas com uma fibra natural muito mais resistente do que as que conhecemos aqui”, afirma Pasquetto, ao lembrar da primeira vez em que ouviu falar em curauá. A descoberta desse parente do abacaxi, porém, é pré-colombiana. Os povos primitivos da floresta já usavam a planta para amarrar embarcações, fazer redes e cestaria. Séculos antes da indústria automobilística, eles sabiam que a fibra extraída das longas folhas do vegetal era mais resistente se comparada, por exemplo, à da malva ou da juta. A robustez do curauá é conhecida até mesmo na literatura. De tão forte, era usado por Macunaíma, personagem do escritor Mário de Andrade, para amarrar os bichos.
Mas a planta tem também desvantagens. Para crescer (ela chega a atingir um metro e meio de altura), precisa de condições específicas, como solo seco e arenoso, e muito sol. Foi por isso que, em 2004, Pasquetto, um cidadão de hábitos tipicamente paulistanos, teve de deixar São Paulo rumo a Santarém, no Pará, para tocar o novo negócio da Pematec. “Até tentamos trazer umas mudas de curauá para perto da nossa sede, em São Bernardo do Campo, mas no primeiro inverno, perdemos tudo”, diz.
A empresa ergueu no Norte do país duas novas fábricas – uma para o desfibramento da planta e outra para transformar o vegetal em uma espécie de manta utilizada nas peças. A companhia adquiriu ainda uma fazenda para cultivar a matéria-prima, num total de R$ 26 milhões em investimentos, sem contar os incentivos fiscais do governo do Estado.
Mais do que benefícios ao meio ambiente, o projeto da Pematec tem um forte cunho social. O curauá é cultivado na região de Santarém por cerca de 300 famílias, que antes da chegada da companhia viviam basicamente da agricultura de subsistência. Agora o trabalho no campo rende aos envolvidos cerca de R$ 900 ao mês. À empresa, cabe o auxílio técnico aos lavradores e a garantia da compra total da produção. Já do ponto de vista econômico, a fibra natural é competitiva, mas não chega a ser mais barata do que a sintética.
O processamento é simples. Depois de colhida, a planta passa por um motor semelhante aos usados para moer cana, é lavada num tanque e colocada para secar numa centrifugadora. Em outra máquina, a fibra é cortada e aberta até ser transformada na manta natural. Já na unidade da empresa na Grande São Paulo, esse material recebe fibra sintética e é usado na fabricação de teto de carros, tampa de porta-malas e laterais de portas. Por mês, 170 toneladas de fibras são industrializadas nas unidades de Santarém.
Mas, afinal, como é que a Volkswagen entra nessa história de inovação? Lá no início, quando a Pematec começou a desenvolver o projeto curauá, a montadora colaborou com suporte técnico e ajudou a desenhar as peças. Também se comprometeu a comprar, durante sete anos, a produção da empresa. Como convencer a matriz, na Alemanha, a apostar em uma fibra até então desconhecida e com características tão peculiares? “Imagine chegar para seu chefe e dizer: eu quero fazer um veículo que é vendido no mundo todo com uma fibra nunca antes usada, que só dá na Amazônia e parece um abacaxi”, diz Antonio Carnielli Jr., gerente de planejamento e desenvolvimento de produto da Volkswagen. E eles toparam. “Risco existe, como em tudo o que fazemos. Mas, a partir do momento em que provamos que estamos pensando no meio ambiente, fica mais fácil trabalhar com a matriz”, diz Carnielli. “O fato de ser uma empresa alemã também ajudou muito.”
Depois disso, a batalha foi tirar o projeto do papel. Foram mais de três anos de pesquisas até chegar a uma peça com características satisfatórias. Um dos problemas enfrentados era o fato de o curauá apresentar rigidez além da desejada, o que fazia com que o teto envergasse sobre a cabeça do passageiro. Depois de uma série de adequações, a questão foi solucionada, mas a fibra ainda precisava passar por uma sucessão de testes, uma vez que os carros são exportados para países com temperaturas que variam de menos de zero a mais de 40 graus Celsius. “Fiquei muitas noites sem dormir”, afirma Carnielli. Valeu a pena. Mais de um terço dos veículos produzidos pela Volkswagen no Brasil em 2008 tem o interior revestido com a fibra. Neste ano, o volume deve aumentar de 300 mil para 500 mil carros.
Outras montadoras também já estavam de olho na planta. A Mitsubishi, a General Motors e a Honda também têm modelos que usam a fibra natural. O curauá tornou-se tão popular que a Pematec já está aplicando a vegetação em calçados, colchões, estofados e na construção civil. “O grande gargalo é a produção de mudas. Ainda não temos quantidade suficiente para aumentar o volume vendido”, diz Pasquetto. Enquanto isso, indústrias de variados setores desafiam os fornecedores a encontrar soluções tão criativas quanto às do parente do abacaxi.
.:::Assista ao vídeo e veja o processo de transformação do curauá:::.
Fonte:
Época NEGÓCIOS
Adorei a matéria da Pematec.
ResponderExcluirParabéns pelo excelente trabalho Pasquetto!!!
Lígia Pôrto