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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O que sustentará o nosso futuro? Israel Klabin

Brasil tem por hábito se apropriar muito rapidamente das evoluções tecnológicas e conceituais que nascem e alimentam o desenvolvimento do mundo desenvolvido. Este também foi o caso da espoleta que a China utilizou para a rápida evolução e absorção da modernidade para o seu desenvolvimento. Há trinta anos, a China vem dando um great leap forward.


“Sustentável” ainda é uma qualidade abstrata, que pode e deve ser atingida por meios diferentes, em cenários políticos e econômicos diversos. Em quase vinte anos de prática cotidiana na FBDS vi empresas, indivíduos e governos fazerem esforços para compreender e assimilar ideias e práticas que se aproximem do ideal sustentável, mas certamente as ações são insuficientes. As empresas já foram superficialmente tocadas pelo conceito do triple bottom line, mas ainda não assumiram inteiramente as consequências oriundas do projeto de Sustentabilidade Corporativa.


Portanto, a questão ambiental ainda é periférica dentro do contexto empresarial, ela não atingiu o coração das empresas. O que se convencionou chamar de sustentabilidade ainda permeia o departamento de marketing, mas não chegou ao centro das decisões empresariais.


É urgente pensarmos no desenho de um novo modelo econômico que garanta a continuidade dos meios naturais que sustentam a vida humana. Enquanto não se entender que os recursos naturais são finitos , nada ou pouco efetivamente será feito para mudar o modelo econômico.


Essa não é conversa de gabinete nem de verdes sonhadores. Venho repensando sobre a expressão “desenvolvimento sustentável”, tão exaustivamente usada e tão frequentemente mal usada. Ela contém uma contradição em termos, pois a noção de desenvolvimento envolve dinâmica e, portanto, movimento, enquanto a noção de sustentabilidade subentende uma situação estática, que pressupõe permanência. Como construir um modelo em nosso benefício, que integre crescimento econômico, inclusão social e consciência do limite do capital natural? Ainda não vimos na prática o tripé da sustentabilidade, o que chamamos de triple bottom line.


No atual caminho, não sabemos exatamente para onde vamos. Duvide de quem afirma que sabe. Vivemos um turning point. Há um consenso cada vez mais crescente de que como está não pode ficar. As mudanças climáticas que sofremos atualmente não constituem a causa pela qual devemos modificar nossos padrões de produção e consumo - elas são, na verdade, o efeito mais danoso do processo econômico baseado numa matriz energética perversa dos últimos dois séculos. O modelo econômico não funciona mais. É preciso mudar, apesar de toda a inércia e resistência que encontraremos no caminho. Bem sabemos que há gigantescas conveniências do business as usual e não há ingênuos nessa mesa de negociação.


Enquanto demoramos a agir, a natureza não espera os acontecimentos e nos fornece todos os sinais das falhas do sistema baseado no uso intensivo de energia fóssil. Os países ricos estabeleceram seus altos padrões de conforto e bem-estar a partir de processos produtivos que estão pondo em risco os próprios mecanismos de adequação do planeta à vida humana.


Os países em desenvolvimento avançam no mesmo caminho, estabelecendo seu direito moral à poluição, aumentando ainda mais a demanda energética global. O impasse político entre esses dois grupos de países vem desde as reuniões do Protocolo de Kyoto, quando se estabeleceram obrigações diferenciadas: os países mais ricos deveriam limitar suas emissões, mas as metas eram pouco ambiciosas, e praticamente não havia nenhum tipo de sanção ao descumprimento delas.


Pior ainda: o acordo não previu nem a obrigatoriedade desses países de relatarem os números relativos às emissões de gases de efeito estufa. Já para os países em desenvolvimento as obrigações eram mais tênues ainda, pois o desejo de alcançarem um patamar econômico mais elevado foi mais importante do que a preocupação com a saúde de nossa atmosfera e com a estabilidade do clima.

 Resultado: apesar do estabelecimento de mercados de crédito de carbono (cap-and-trade) e do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), as emissões aumentaram continuamente nos últimos vinte anos. The proof is in the pudding. Na tabela abaixo percebemos um cadáver que ninguém quis ver: o sistema de Kyoto morreu.


Além de toda a problemática ambiental, o modelo econômico não funciona mais por conta de sua própria arquitetura interna. Os mecanismos de trocas globais estão completamente fragilizados, as moedas, hoje, são totalmente artificiais. A moeda base do sistema, o dólar, monnaie du compte, perdeu boa parte da credibilidade que possuiu nos últimos 50 anos. O que vemos agora é esta crise cambial aguda no mundo todo, com a China mantendo artificialmente sua moeda desvalorizada. Com isso, os chineses exportam muito, importam pouco e acumulam enormes reservas em dólar, o que é um risco para todo o sistema de comércio global. O Brasil sente agora os efeitos da crise com o Real sobrevalorizado e uma inundação de dólares, o que obriga nosso Banco Central a contrair mais reservas e dificulta nossas exportações. Para nós o risco é enorme – quando o dólar desabar, o que será de nossas reservas, de repente reduzidas a papéis sem valor?


Até hoje, a comunidade científica não conseguiu precificar com precisão o valor dos recursos naturais que são nossas verdadeiras garantias para o futuro.


Crise econômica e mudanças climáticas são duas faces da mesma questão. Não há solução possível num mundo de nações, que tomam decisões olhando de dentro de suas conveniências. Só há solução possível num mundo globalizado. Segundo um dos meus gurus, Isaiah Berlin, o nacionalismo é o crooked timber of humanity, a bengala torta da humanidade.


Temos que ingressar num mundo pós-nacionalista. Na reunião de Copenhague, um ponto ficou muito claro: o consenso é impossível e a multilateralidade é inviável. Unir 192 países numa posição única sobre política climática mostrou-se definitivamente ilusório. É muito mais produtivo realizar acordos entre grupos de países, ou de país com país, ou pelo menos entre aqueles países que mais poluem, dentre desenvolvidos e em desenvolvimento.


É preciso ousadia para mudar conceitos e práticas. A mesma que Copérnico demonstrou quando ousou enfrentar os poderes estabelecidos em sua época, que impunham uma visão de mundo que ficara ultrapassada. O PIB, como termômetro da atividade econômica, também está ultrapassado. É preciso buscar alternativas. Orçamentos militares, filhos da paranóia nacionalista, incrementam a violência global e desviam recursos valiosos que poderiam irrigar outras áreas. Só os EUA gastam cerca de 1,5 trilhão de dólares em defesa. O carbono deve ser taxado e desestimulado, ao mesmo tempo em que financiamos o desenvolvimento de fontes de energias limpas.


Vivemos e construímos o nosso mundo com a sensação de que os recursos naturais são infinitos, mas precisamos nos lembrar de que não é o planeta que está ameaçado e sim a vida humana em seu habitat. A mudança acontecerá. Resta saber se vamos comandar esse processo ou se seremos obrigados a agir ou perecer a partir da fúria da natureza.


* Israel Klabin é presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS)  (Plurale)


Fonte: Mercado Ético, 22/12/10

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Érica Sena
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