“Os
cidadãos permitiram que os governos assumissem responsabilidade excessiva na
escolha das tecnologias. Isto precisa ser mais politicizado e contestado”,
alerta o autor do livro Uranium Road, em entrevista à IHU On-Line, concedida por
e-mail.
Na avaliação do economista sul-africano, além de não resolver os problemas da
crise climática, os investimentos em usinas nucleares geram problemas futuros em
relação aos resíduos radioativos e “criam dilemas relativos à segurança, impedem
investimentos em opções mais limpas e seguras de energia renovável”.
Ele alerta ainda que a energia nuclear é perigosa em função da sua
complexidade. “Quando algo dá errado, dá muito errado para milhões de pessoas.
Ela mata, contamina, esteriliza áreas enormes para outro tipo de
desenvolvimento. (…) Não sabemos como lidar com os resíduos de longa duração, já
que temos de isolar do meio ambiente por um período de tempo muito mais longo do
que a história da civilização humana”.
Para o pesquisador, o setor nuclear é altamente oneroso e “só faz sentido do
ponto de vista financeiro quando é altamente subsidiado pelo Estado”. Com vistas
ao que aconteceu no Japão, Fig sugere que os governos pensem na implantação de
tecnologias menos destrutivas e descentralizadas. “Dar às pessoas empregos e
controle em nível mais local significa que somos menos vulneráveis ao mau
planejamento no nível central”.
David Fig, de nacionalidade sul-africana, é mestre em Relações Internacionais
e doutor em Economia Internacional pela London School of Economics. Os seus
livros mais recentes são Uranium Road: Questioning South Africa’s Nuclear
Direction (Jacana, 2005) e Staking their Claims: Corporate Social and
Environmental Responsibility in South Africa (UKZN Press, 2007).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são seus argumentos para não se
investir em energia nuclear?
David Fig – A mais recente experiência japonesa mostra mais
uma vez que essa forma de energia é, muitas vezes, complexa e perigosa demais em
termos de manuseio, mesmo que pensemos que ela é segura. Quando algo dá errado,
dá muito errado para milhões de pessoas. Ela mata, contamina, esteriliza áreas
enormes para outro tipo de desenvolvimento. Não há dose segura de radiação. Não
sabemos como lidar com os resíduos de longa duração, já que temos de isolar do
meio ambiente por um período de tempo muito mais longo do que a história da
civilização humana. Também é injusto deixar essa questão para que as gerações
futuras a resolvam.
O setor nuclear é altamente dispendioso e, em geral, só faz sentido do ponto
de vista financeiro quando é altamente subsidiada pelo Estado e quando o seguro
de responsabilidade civil não é pago. O setor é notório por ultrapassar o custo
e o cronograma de construção. Ele exige um gigantesco aparato de segurança, que
acarreta um comprometimento de nossas democracias conquistadas a duras penas e
abre as portas para abuso, tráfico e proliferação de armas.
Apesar do que afirma o setor, ele não é favorável em relação ao carbono: a
mineração, usinagem, conversão para gás, enriquecimento, fabricação de
combustíveis, reprocessamento, construção de reatores e desmantelamento implicam
emissões intensivas de carbono. E, finalmente, desenvolvemos alternativas
significativamente mais limpas; portanto, recorramos a elas para obter um futuro
mais verde e mais limpo.
IHU On-Line – A explosão de usinas no Japão reacendeu o
debate acerca da segurança das usinas nucleares. O senhor acredita que o mundo
terá outra posição diante deste acontecimento?
David Fig – O mundo já está começando a reconsiderar a opção
pelo urânio. A Alemanha está repensando a vida de seus reatores a longo prazo.
Outros países a seguirão.
As dificuldades enfrentadas atualmente por vendedores de equipamentos
nucleares vão aumentar. A experiência japonesa terá o efeito de um tsunami para
o setor da indústria nuclear. É provável que o cancelamento de pedidos aumente à
medida que a confiança global na opção nuclear diminuir.
IHU On-Line – Como o senhor reagiu diante do anúncio de
vários países que pretendem repensar a política nuclear? Será que eles não
tinham dimensão do que significa uma energia nuclear?
David Fig – A intensidade do desastre no Japão chegou até o
público e provocou um reexame das políticas governamentais. É claro que os
governos de direita e de centro conhecem os riscos da energia nuclear, mas são
constantemente seduzidos pelo setor, que tem um lobby poderoso. Em meu país, a
África do Sul, o CEO da Areva, a empresa nuclear francesa, tem assento no
conselho para investimentos internacionais de nosso presidente. Nosso
presidente, que esteve na França recentemente, assinou acordos para negócios de
energia nuclear com aquele país. Nós já operamos dois reatores franceses, e
nosso governo anunciou que pretende triplicar o número de usinas para ampliar a
rede. Isto é altamente inapropriado, porque nossa concessionária pública recebeu
a permissão de aumentar o preço da eletricidade em 200% ao longo de três anos.
Precisamos servir nosso povo com tecnologias que ele próprio possa controlar –
aumentando o número de empregos para instalação, conserto e manutenção em nível
local –, em vez de criar apenas alguns poucos empregos de alto nível para
engenheiros nucleares importados.
IHU On-Line – O que leva diversos países a optarem por
uma política de energia nuclear?
David Fig – Servir ao interesse dos usuários de maior porte
(mineração, fundição etc.), e não do povo como um todo. Ser corrompidos e
seduzidos por noções de nacionalismo tecnológico. Pôr de lado uma gama de
argumentos válidos em favor do uso de tecnologias mais simples e mais limpas.
Beneficiar-se de transações nucleares (comissões e subornos). Alguns países,
como a África do Sul da era do Apartheid, usaram a aquisição do setor de energia
nuclear como disfarce para adquirir alguns dos outros passos na cadeia da
produção de combustível nuclear (conversão, enriquecimento) a fim de fabricar
armas nucleares.
IHU On-Line – O investimento em energia nuclear é uma
tentativa de os países investirem também em armas nucleares?
David Fig – Não em todos os casos. Mas os países que estão
perto do estágio nuclear precisam ser observados, especialmente quando investem
em enriquecimento, conversão e peças de reprocessamento da cadeia do
combustível. Isso torna possível desviar material para a produção de armas.
IHU On-Line – Qual é o ônus econômico desse modelo
energético para a sociedade?
1) Grande investimento numa produção de energia muito
centralizada;
2) dependência energética, especialmente em relação aos países fornecedores
dos reatores nucleares (treinamento, peças, consertos, tecnologia);
3) investimento elevado no aparato de segurança para impedir a proliferação e
o tráfico;
4) necessidade de uma capacidade regulatória considerável, com os custos daí
decorrentes;
5) criação de poucos empregos de alto nível (com altos custos de formação em
nível local ou no exterior), em contraposição às formas de energia renovável, em
que os empregos e a formação custam menos e podem ser disseminados com mais
eficácia por toda a sociedade, especialmente nas sociedades que necessitam de
empregos;
6) custo do isolamento de resíduos de alto nível (por exemplo, barras de
combustível) em relação ao meio ambiente por 244 mil anos e outros custos
implicados no tratamento dos resíduos e da contaminação;
7) custos decorrentes da perda de oportunidades de optar por soluções de
energia limpa.
IHU On-Line – Como o senhor vê a relação entre as usinas
nucleares, que segundo os governos, são necessárias para alavancar o crescimento
econômico e, por outro lado, a preocupação ambiental posta neste
século?
David Fig – As usinas de energia nuclear não conseguem
resolver a crise climática, criam problemas de longo prazo para a destinação de
resíduos radioativos de alto nível, têm o potencial de contaminar suas regiões e
o planeta de maneira mais ampla. Elas também criam dilemas relativos à segurança
e impedem investimentos em opções mais limpas e seguras de energia
renovável.
IHU On-Line – Quais os desafios de investir uma economia
de baixo carbono na conjuntura atual?
David Fig – Persuadir as instâncias tomadoras de decisão de
que a energia nuclear não é uma alternativa de baixo carbono e de que outras
formas de energia – incluindo as renováveis – podem servir muito adequadamente
para fornecer a demanda de carga básica. Qualquer outro tipo de apoio à energia
nuclear se baseia em considerações ideológicas, e não lógicas. A energia nuclear
não é de carbono tão baixo assim porque, embora não crie emissões de carbono no
reator, a mineração e muitas das outras partes da cadeia do combustível são
extremamente intensivas em termos de carbono.
IHU On-Line – O mundo inteiro investe em energia nuclear
e agora, diante da crise no Japão, os países estão recuando. Como vê esse medo
mundial?
David Fig – É uma reação lógica à inevitável rejeição
política que sempre se segue a acidentes de vulto (como ocorreu depois de
Chernobyl). Nós ainda não presenciamos todo o horror do desastre no Japão, em
que provavelmente milhões de pessoas a mais ficarão expostas a altas doses de
radiação.
IHU On-Line – Qual a segurança de uma usina
nuclear?
David Fig – Os construtores só podem tomar certas medidas
para garantir a segurança, mas um acidente que segue seu próprio curso é
extremamente difícil de controlar.
IHU On-Line – Quais os principais riscos de contaminação
por meio da usina nuclear? Sempre há risco de contaminação por radiação ou
depende da distância da usina em relação à população?
David Fig – A distância é um dos fatores, mas ela pode ser
superada pelo vento, pela propagação da radiação através da cadeia alimentar e
por outras vias de exposição.
IHU On-Line – Seria o caso de o mundo pensar em
alternativas como energias descentralizadas? Qual a viabilidade?
David Fig – Claro que sim. Alternativas para a energia
nuclear e fóssil são vitais para nossa sobrevivência. Precisamos dotar não
apenas algum controle central de reguladores eficientes, mas também permitir que
diferentes modalidades de energia façam parte da rede ou matriz energética. Dar
às pessoas empregos e controle em nível mais local significa que somos menos
vulneráveis ao mau planejamento no nível central.
IHU On-Line – Alguns especialistas brasileiros
argumentaram, num primeiro momento, que, no Brasil, as usinas não representavam
o mesmo risco que as do Japão, pois no país não ocorrem terremotos e tsunami. É
um argumento válido?
David Fig – Além das catástrofes naturais, não há reatores
que estejam imunes ao erro humano, e o Brasil tampouco pode reivindicar tal
imunidade. Os riscos talvez sejam diferentes, mas os resultados podem ser graves
(Three Mile Island em 1979, Chernobyl em 1986, Tokaimura em 1999).
Por que simplesmente esperar que o Brasil seja acrescentado a essa lista?
Cancelem o programa nuclear brasileiro agora. Por que contaminar uma dos mais
belos e biodiversificados países na face da terra?
IHU On-Line – O mundo todo está apreensivo diante das
explosões das usinas nucleares no Japão. Pensando na relação ser humano/técnica,
é possível dizer que o homem criou um instrumento perigoso e agora não consegue
controlá-lo?
David Fig – Os cidadãos permitiram que os governos
assumissem responsabilidade excessiva na escolha das tecnologias. Isto precisa
ser mais politicizado e contestado. Precisamos assegurar que tecnologias menos
destrutivas sejam privilegiadas em relação às que têm a capacidade de contaminar
o planeta. Seja na área da energia ou da agricultura, deveríamos ter diretrizes
definidas de comum acordo para evitar que os governos escolham opções
insustentáveis em nosso nome.
(IHU On-Line)
Fonte: Mercado Ético-29/3
Achei essa entrevista bárbara!!!! Parabéns!
Érica Sena
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Pensar Eco agradece sua visita!
Comente, sugira, critique, enfim, participe!!! Isso é muito importante!
Abs,
Érica Sena
Pensar Eco