O moralmente aceitável pode ser relativo à história, uma época ou um
povo.
Dias atrás numa conversa na redação da Página22, falamos que a
ética ambiental ainda está dando pequenos passos e não tem a mesma força
da ética social.
Usar bicicleta como meio de transporte ou consumir
orgânicos é visto mais como um estilo de vida do que uma atitude ética
com a natureza ou com o próximo. Não é muito legal sair por aí afirmando
que você não separa o lixo reciclável, mas ninguém vai dizer que isso é
antiético ou que você é uma pessoa de má indole.
No dia seguinte, encontrei um interessante artigo de Jean-François Mouhot,
no jornal The Guardian, com uma analogia entre o uso da mão de obra
escrava e dos combustíveis fósseis.
Assim como olhamos para o passado e
condenamos a escravidão, as próximas gerações irão nos condenar pelos
danos cometidos contra o planeta, ele diz.
Os escravos teriam ocupado o lugar onde hoje estão as máquinas que
fazem “trabalhos sujos e pesados” que ninguém quer. E como essas
máquinas funcionam com energia das fontes fósseis, o homem continua
dependente de algo externo para ter a “missão cumprida”.
Mouhot também
destaca que tanto a escravatura quanto os combustíveis fósseis foram
considerados por muito tempo aceitáveis para a maioria das pessoas e
depois contestados, conforme seus prejuízos foram percebidos.
A ética deveria estar na discussão da queima de combustíveis fósseis
porque, mesmo não sendo um crime contra a humanidade, provoca danos
indiretos.
De acordo com um estudo da Word Health Organisation,
a atividade, que já foi símbolo de progresso, causa 150 mil mortes por
ano de forma indireta. Mouhot cita o envolvimento de governos e
empresas interessadas na exploração de petróleo que gera guerras e a
queda de regimes eleitos democraticamente.
Também para Mouhot, a história da abolição da escravatura é a prova
de “quão turva pode ser a fronteira entre o bom e o mal e quão rápida
ela pode mudar”. E não deveria ser surpreendente que hoje haja
resistência nas teorias sobre o aquecimento global.
“Nossas sociedades,
assim como as escravistas, têm interesses em ignorar os consensos
científicos”.
E já que podemos aprender com as experiências do passado,
ele propõe que as campanhas pela abolição da escravatura sirvam de
exemplo para o combate ao aquecimento global.
Os escravos só deixaram de ser mão de obra porque foi encontrada uma
alternativa.
Da mesma forma, o mundo atual já descobriu as tecnologias
verdes e fontes renováveis e deve agora investir mais nisso, para
Mouhot. Se isso não acontecer, “gerações futuras olharão para nós e
questionarão como nossa civilização pôde ter sido tão atrasada e
moralmente cega”, disse. E questionou: “será que a próxima geração vai
saber que tivemos alternativas?” A resposta, para ele, é seguir o curso
da história e da transformação da moral:
“Provavelmente não. Eles vão nos amaldiçoar pelos danos irreparáveis
que causamos ao planeta. É claro que dirão que fomos povos bárbaros.”Thaís Herrero, da Página 22
Fonte: Mercado Ético,09/2
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Érica Sena
Pensar Eco