A lista de violações de
direitos dos povos indígenas no estado de Mato Grosso do Sul é tão grave e
extensa que pode ser classificada em diversas categorias: insegurança alimentar;
remoção dos territórios tradicionais para as reservas indígenas; violência
contra a mulher nas áreas de retomada e nas reservas, criadas pelo Governo
Brasileiro; contaminação por agrotóxicos; intolerância religiosa; assassinato;
trabalho escravo; exploração sexual; crianças fora da escola e sem atendimento
médico, isto num contexto demográfico em que 45% dos Guarani e Kaiowá, neste
estado, têm menos de 17 anos de idade.
O estado é uma das 27
unidades federativas do Brasil, localizado na região centro-oeste do Brasil,
fronteira com o Paraguai e a Bolívia. Sua área total é de 35 milhões de ha,
sendo que o rebanho de 23 milhões de bovinos ocupa 65% de todas as terras. A população
Guarani e Kaiowá, removida sistematicamente deste 1915 de seus territórios
transformados em fazendas, ocupa, na atualidade, apenas 0,08% das terras, 30
mil hectares.
Na década de 90, o incremento
do cultivo de cana-de-açúcar para produção de etanol e biodiesel aumentou a
pressão econômica sobre as terras indígenas e o consequente aumento dos
assassinatos e suicídios. Os interesses econômicos nestas terras indígenas
podem ser mapeados na Justiça Eleitoral, onde é possível consultar o grande
volume de doações para financiamento de campanhas eleitorais de deputados
estaduais por parte de empresas frigoríficas e usinas de etanol.
Em 2013, de acordo com a Secretaria
de Comércio Exterior - SECEX, o montante das exportações do estado atingiu 4,21
bilhões de dólares americanos. Ao mesmo tempo em que os produtos agrícolas
passaram a ser negociados no mercado internacional com preços regulados em
bolsas de valores, de 2003 a 2015, 585 indígenas cometeram suicídio e 390 foram
assassinados. Ainda assim, os casos são pouco conhecidos devido ao silêncio dos
meios de comunicação, comprometidos ideológica e financeiramente com os poderes
econômicos que possuíram grandes parcelas do poder executivo, legislativo e
judiciário.
A população indígena total
do estado é de 71 mil pessoas (SESAI, 2015), aproximadamente 10% da população
declaradamente indígena brasileira, sendo que os casos mais graves de violência
afetam os Guarani, Kaiowá e Terena, etnias que estão entre cinco mais numerosas
do Brasil. Apesar do genocídio de 9/10 da população indígena brasileira ao
longo dos cinco séculos de colonização, o país ainda é a nação com a maior
diversidade étnica do continente, com 310 povos indígenas (FUNAI, 2015). Não
sabemos até quando.
Nos últimos meses, a
situação de violência contra as comunidades indígenas no cone sul de Mato
Grosso do Sul - MS, Brasil, tem se deteriorado a tal ponto que uma das áreas,
Nhanderu Marangatu, no município de Antônio João, MS, está sob intervenção do
exército para garantir provisoriamente a vida dos Guarani e Kaiowá.
Nesta terra
indígena foi assassinado, no dia 29.08.15, o líder indígena guarani Simeão
Vilhalva, 24 anos. De acordo com a comunidade, o crime, segundo a comunidade em
declarações dadas à imprensa, foi resultado da ação de pistoleiros, fortemente
armados, contratados por fazendeiros, que possuem títulos em terras
identificadas como indígenas pelo Estado brasileiro em 2005, mas cuja
homologação foi suspensa em caráter liminar pelo poder judiciário, no caso o
STF.
Considerando a morosidade
na identificação e homologação das terras indígenas por parte do governo
federal e a suspensão em caráter liminar pela justiça de terras homologadas,
muitas comunidades optaram, mesmo correndo risco de vida, em retornar para as
antigas aldeias de onde foram removidas a partir do início do século XX. Este
processo de retorno e reversão autônoma do confinamento tem sido denominado
pelos próprios indígenas de retomada ou ocupação.
Por outro lado, na cidade
de Antônio João, MS, houve incitação da opinião pública pelo sindicato rural, segundo
imprensa escrita, com base no boato que os indígenas ateariam fogo na cidade, acirrando
ainda mais o preconceito e provocando um verdadeiro clima de guerra. Além
disso, políticos da bancada federal chegaram a participar de reuniões no
sindicato patronal, ao cabo da qual, acompanharam uma caravana de proprietários
rurais até o local das retomadas. Durante este conflito foi assassinada a
liderança Simeão Vilhalva. Até este momento, uma parte da população indígena do
município ainda está impedida pelos moradores de sacar dinheiro nos caixas
eletrônicos nos comércios da cidade para compra de alimentação, produzindo uma
crise humanitária pela falta de alimentos. As crianças em idade escolar nas fazendas
retomadas também foram impedidas de embarcarem no transporte escolar para irem
à escola. Um dos últimos desdobramentos desta crise foi noticiado pelo jornal
eletrônico Campo Grande News (02.10.2015), dando conta da denúncia ao
Ministério Público Estadual contra a Deputada Estadual Mara Caseiro (PT do B)
por perseguição a ativistas que organizaram uma campanha de arrecadação de
alimentos para índios guarani e kaiowá de área atacada em Antônio João, MS.
Foto 02 (ELIEL BENITES, 2015), de 06.08.2015, é da ferida no pé de uma criança da Aldeia Pacurity, Dourados, MS. O menino ficou sem atendimento médico por mais de três meses.
Entre as causas deste quadro, temos a remoção forçada durante décadas dos indígenas realizada pelo próprio Estado, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985). As lideranças indígenas que ousam romper o silêncio são ameaçadas de morte e são alvo de ataques paramilitares como, por exemplo, aquele desferido contra a comunidade de Guaiviry, no município de Aral Moreira, responsável pela morte e desaparecimento do cacique Nisio Gomes.
Em resposta, a Assembleia Legislativa do estado instalou uma Comissão de Investigação (CPI) que acusa as próprias lideranças indígenas e seus apoiadores pela violência crescente, mostrando a opção preferencial do Estado brasileiro na defesa do agronegócio e a produção de commodities agrícolas para o mercado internacional em detrimento dos direitos sociais.
De acordo com informações do governo (RENAI, 2015), o estado abate todo ano 4,6 milhões de bovinos, 12 mil cabeças por dia. Instalou, nos últimos anos, 28 novas usinas para produção de etanol e biodisesel a partir da cana-de-açúcar, ampliando as 14 já existentes. A produção de soja é de 5 milhões de toneladas/ano, gerando um enorme mercado para os insumos agrícolas de empresas multinacionais. O incremento dos investimentos por empresas e bancos está na origem do aumento da violência contra as populações originárias, especialmente na redução dos territórios tradicionais e exploração do trabalho indígena no corte da cana.
A omissão do Estado brasileiro em cumprir os direitos indígenas estabelecidos na Constituição Federal em 1988, que previu a homologação e a demarcação das terras indígenas, e o atraso na identificação destas terras permite que a violência se perpetue e se converta em genocídio.
RESUMO
OS CONDENADOS DESTA TERRA
A lista de violações de direitos dos povos
indígenas no estado de Mato Grosso do Sul é tão grave e extensa que pode ser
classificada em diversas categorias: insegurança alimentar; remoção dos
territórios tradicionais para as reservas indígenas; violência contra a mulher
nas áreas de retomada e nas reservas, criadas pelo Governo Brasileiro;
contaminação por agrotóxicos; intolerância religiosa; assassinato; trabalho
escravo; exploração sexual; crianças fora da escola e sem atendimento médico,
isto num contexto demográfico em que 45% dos Guarani e Kaiowá, neste estado,
têm menos de 17 anos de idade.
Leia na íntegra em http://migre.me/rHLJ4
Neimar Machado de Sousa *
* Neimar Machado de Sousa, Karai Guaiguingue, é membro da Comissão Regional Justiça e Paz e professor na Faculdade Intercultural Indígena - FAIND/UFGD, em Dourados - MS
Esta matéria foi enviada por Beatriz Carvalho Diniz, afim de que todos fiquem cientes do que está acontecendo com os povos indígenas no estado de Mato Grosso do Sul.
É muito triste e repugnante! Temos que unir nossa força e acabar com esse massacre.
Obrigada Beatriz!
Érica Sena
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