O termo soa esquisito e, por enquanto, só frequenta o vocabulário de especialistas. Mas a logística reversa, prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos aprovada este mês pelo Senado, pode mudar as relações de consumo. Por meio dela, empresas ficam obrigadas a recolher o resíduo do que fabricam e o consumidor, a devolver produtos usados para reciclagem.Depois de ser sancionado, será obrigatório para itens como pilhas, baterias, pneus e eletroeletrônicos.
O caso dos eletroeletrônicos é o que mais carece de regulamentação.
Reunidos
no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama),
representantes do governo, de toda a cadeia de produção e reciclagem, de
universidades e ONGs tentam definir como pôr em prática a logística
reversa. O principal embate no grupo de trabalho, criado em 2009, é o
estabelecimento de metas.
"Na resolução dos pneus, editada em 1998 pelo Conama, foram
estabelecidos metas e prazos. Na resolução das pilhas e baterias, do
mesmo período, não", diz a doutoranda Ângela Cássia Rodrigues, da
Faculdade de Saúde Pública da USP, que integra o grupo de trabalho. "No
caso dos pneus, rapidamente se montou uma estrutura para coleta e
reciclagem. Com pilhas e baterias a gente continua dependendo do
voluntarismo dos fabricantes e dos consumidores."
"Governos, ONGs e academia gostam de falar de metas. Mas a sociedade
não está educada ainda. O brasileiro extrapola em uma vez e meia o grau
de obsolescência de um produto. Quanto a indústria vai gastar para
educar esse cidadão?", alega o relator do grupo de trabalho e diretor de
Responsabilidade Socioambiental da Associação Brasileira da Indústria
Elétrica e Eletrônica (Abinee), André Luiz Saraiva.
Para Saraiva, a regulamentação do setor é urgente. "Temos Copa do
Mundo em 2014. E as vendas vão parar nas alturas", prevê, com base nos
números do primeiro semestre deste ano, quando quase 7 milhões de
famílias adquiriram aparelhos de TV.
As empresas evitam falar em quem vai pagar a conta da logística
reversa. "A solução é reduzir impostos", diz Saraiva. Ângela defende que
o custo da gestão de resíduos seja embutido no preço dos produtos. "A
melhor forma é atribuir o custo aos fabricantes. Quando eles planejam o
lançamento de um produto, têm de planejar a destinação final."
Com a regulamentação, pessoas como Paulino Pereira de Andrade, dono
da empresa Mundinho Azul, terão de ser incorporados à cadeia da
logística reversa. Paulino, que recolhe sucata eletrônica nas
residências com dois veículos sem custo para quem requisita o serviço,
quer se capitalizar com os eletroeletrônicos. "Vejo uma grande
oportunidade nesse mercado. Quando abrir minha primeira loja, em dois ou
três meses, quero me credenciar para ser o parceiro de grandes empresas
que vão ter de cumprir a lei", diz Paulino.
É de se esperar que, por conta do grau de pirataria que reina no
mercado de eletroeletrônicos, empreendedores como Paulino sejam
bem-vindos, já que ninguém poderá garantir que a indústria vá se ocupar
de equipamentos "piratas". "Ele até pode operar, credenciado. O que eu
acredito que vá acontecer é que as indústrias vão capacitar suas redes
de assistência técnica para receber usados", prevê Saraiva.
O "filé" dos resíduos eletroeletrônicos, porém, são as placas de
computadores, de celulares e de equipamentos afins. Grandes empresas de
reciclagem pagam cerca de R$ 7,50 pelo quilo do produto. E é justamente
esse material que o Brasil não tem tecnologia para reciclar.
"Só cinco empresas do exterior fazem esse trabalho", diz Ronylson
Freitas, que, para trabalhar no setor, criou a RecicloAmbiental. A
natureza muitas vezes tóxica dos resíduos torna delicada a questão da
formação da cadeia de recicladores. "É perigoso. Os monitores de tubo,
por exemplo, têm de 20% a 30% de chumbo. Os ilegais vendem o cobre, o
plástico - e jogam fora o lixo tóxico."
O texto aprovado
Na gestão dos resíduos sólidos deve ser
observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução,
reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final adequada.
O texto prevê que o lixo poderá ser utilizado para geração de
energia desde que comprovada sua viabilidade técnica e ambiental. A
emissão de gases tóxicos deve ser monitorada.
A União deverá elaborar um Plano Nacional de Resíduos Sólidos com
horizonte de 20 anos, a ser atualizado a cada 4 anos. O plano prevê o
diagnóstico da situação dos resíduos
sólido.
Caso os fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes repassem para o Estado suas
atribuições no âmbito da logística reversa, vão ter de remunerá-lo por
isso.
As pessoas jurídicas que operam com resíduos perigosos são obrigadas
a se cadastrar no Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos
e comprovar capacidade técnica.
Fonte: Jornal O Estado de SP, 28/07