domingo, 20 de dezembro de 2009

Revista Época: O que falta para salvar o clima?- Alexandre Mansur

A lista é extensa, difícil e incerta – mas a Conferência do Clima de Copenhague mostrou que a emissão de gases poluentes virou um problema que o mundo não pode mais ignorar


Fotos: Ed. Ferreira/AE, Attila Kisbendek/AFP, Ludovic/AFP, Xinhua/ZumaPress.com e Ints Kalnins/Reuters
DISCURSO DE LÍDER
Da esq. para a dir., os presidentes Lula, Obama e Sarkozy e os primeiros-ministros Wen e Brown falam em Copenhague. Eles reconheceram que o clima definirá a pobreza e a riqueza das nações
Quem via o vendedor de maçãs orgânicas circulando pelos corredores do prédio de convenções em Copenhague que abrigou a conferência do clima nas últimas semanas, o Bella Center, imaginava um legítimo ecologista de raiz dinamarquês. Simon Kristensen, de 21 anos, não era presidente, presidenciável, ministro nem príncipe, mas atraía a atenção pela camiseta verde-limão e pelas maçãs. Elas traziam um sabor adocicado a um evento a que não faltaram discursos amargos e lanchonetes ruins. Mas Simon diz que não compra produtos ecológicos ou orgânicos “porque são caros”. Aprendeu sobre a crise climática na escola, quando fez um trabalho de geografia comparando as opiniões do militante ex-vice-presidente americano Al Gore com as do economista cético dinamarquês Bjorn Lomborg (ambos presentes no Bella Center). Diz que largou a faculdade porque não oferecia contato real com as pessoas. “Quero ser policial”, afirma. Para o próximo ano, diz que vai estudar para a academia de polícia. Enquanto ele estiver fazendo isso, os delegados, ativistas, lobistas e pesquisadores que deixarem a COP15 terão a missão de detalhar acordos difíceis. Para que a luta contra o aquecimento global ajude a salvar o futuro até de quem não está ligado à causa, como Simon.
No fim da tarde da sexta-feira, vazou o rascunho da declaração final, de três páginas, dos presidentes. Ele não é um acordo, mas estabelece as bases para a negociação continuar. Entre as novidades, ele inclui a necessidade de orientar as metas de redução tendo por objetivo limitar a elevação da temperatura global em 2 graus célsius. Prevê investimento de US$ 30 bilhões de 2010 a 2012 para ajudar os países em desenvolvimento. E uma mobilização para formar um fundo de US$ 100 bilhões por ano de 2012 a 2020. O principal avanço é a entrada dos Estados Unidos no processo. O país, que estava fora desde o Protocolo de Kyoto, em 1997, é o maior emissor – e vital para o sucesso de qualquer futuro tratado global.
Mesmo que o produto da COP15 decepcione alguns, os holofotes que o mundo lançou sobre Copenhague revelam a relevância conquistada pela questão climática e a continuidade da negociação. Quanto aos resultados, é possível arriscar duas conclusões. A primeira é que o mundo já mudou. O acúmulo discreto de gases quase sempre insípidos, inodoros e incolores nas altas camadas da atmosfera finalmente virou um problema ameaçador demais para ser ignorado. Ele pode trazer prejuízos incalculáveis. E pode mover multidões de eleitores, como os 100 mil que marcharam na semana passada em Copenhague e os mais de 700 ativistas presos pela polícia. O aquecimento global também pode criar e destruir negócios. E até ajudar a decidir eleições, pelo que se viu no desfile de pré-candidatos presidenciais do Brasil na COP15. Um observador irônico comentou que a intensidade dos protestos e a da repressão policial típicas do Fórum Econômico Mundial, em Davos, tinham se transferido para cá. Não é à toa. A crise do clima virou fator determinante para a riqueza e a pobreza das nações nas próximas décadas.
Essa transformação global também significou um novo e mais relevante papel internacional do Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma das figuras centrais na COP15. Estava tão à vontade no papel que aproveitou para passar um pito nos outros chefes de Estado. “Sinceramente, estou decepcionado por entrar em reuniões de alto nível, com figuras proeminentes, e ser submetido a discussões que não esperava mais ver”, disse, em seu principal discurso. “Me lembrou os debates dos tempos de líder sindical.” A plateia aplaudiu. Além de ter sucesso nos palcos, Lula articulou nos bastidores para quebrar os impasses nas negociações, com Wen e o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown. Esse empenho pessoal de Lula pode significar que, de agora em diante, o meio ambiente deve entrar no centro das preocupações do país. “O meio ambiente subiu para o mais alto processo decisório no Brasil”, disse a senadora Marina Silva, citando a inédita presença do presidente, de três ministros e de todos os governadores da Amazônia numa COP. “O Brasil mudou.”
A segunda grande conclusão de Copenhague é que há uma lista de questões importantes e espinhosas a resolver nos próximos meses. Elas ficaram claras nos embates dentro do Bella Center. Serão decisivas para determinar o sucesso ou o fracasso de qualquer tentativa de administrar os humores da atmosfera. A seguir, o que falta resolver para enfrentar o aquecimento global de forma eficaz.
Pawel Kopczynski
A FAVOR DO CLIMA
Manifestantes desafiam a polícia nos arredores do Bella Center. A tensão lembrou os protestos no fórum de Davos


1. Como punir os países que não cumprirem os acordos?
“Só a execração pública”, diz o físico Luiz Gylvan Meira Filho, da Universidade de São Paulo, e um dos fundadores da negociação. “É o que mais funciona, por enquanto.” Não há tribunal internacional para o clima. A proposta apresentada por Gylvan no acordo de Kyoto, em 1997, era criar um fundo de desenvolvimento limpo, com dinheiro das multas cobradas aos países em falta. Por pressão americana, o item foi transformado num mecanismo voluntário para os países industrializados compensarem suas emissões, comprando créditos dos outros. Uma saída em discussão é uma comissão de apelação, como na Organização Mundial do Comércio, que estabeleça punições comerciais para países em falta, porque as barreiras comerciais virão, mesmo que unilateralmente.

2. Como medir com segurança a redução nas emissões?
“Insisto na necessidade de transparência e verificação para a criação de um fundo de ajuda”, disse Obama. Lula, porém, lembrou que isso só deve se aplicar a projetos financiados pelos países ricos. “Nossa experiência com a ingerência externa do FMI e do Banco Mundial não é boa”, afirmou. Independentemente de quem fiscalizar, a precisão deve aumentar. As metas de reduções nas emissões, motivo de discussões e até batalhas nas ruas de Copenhague, parecem números absolutos. Mas ainda são estimativas. Hoje não há como medir com precisão quanto um país joga ou deixou de jogar na atmosfera. Esses indicadores terão de melhorar, e ganhar verificação externa, quando cada item porcentual de compromisso de redução custar caro na economia. Segundo Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a conta da emissão fóssil tem margem de erro de 5% a 8%. Na agricultura, setor importante para países como o Brasil, a incerteza é maior: de 20% a 25%.

3. Como avaliar o esforço adicional dos países emergentes?
A conta fica mais complexa no compromisso dos países em desenvolvimento. Eles devem realizar ações para reduzir as emissões que alcançariam em 2020 se não fizessem nada contra o aquecimento. Esse esforço extra, chamado “adicionalidade” no jargão das COPs, é subjetivo. Como provar que tipo de projeto um país ou empresa executariam de qualquer modo, sem as pressões ambientais? O governo brasileiro assumiu voluntariamente a meta de reduzir, na próxima década, de 36% a 39% suas emissões em relação ao que elas cresceriam no plano original. Mas que plano original era esse? Fontes do governo revelam que, para a conta fechar, os técnicos mexeram no número suposto de hidrelétricas (fonte limpa de emissões) que o país construirá até 2020, de modo a aumentar o impacto previsto das termelétricas (poluidoras).

4. Como usar os créditos para conservação de florestas?
Cerca de 18% do aquecimento global é causado pelos gases da queima de florestas. Por isso, parte da redução nas emissões assumidas pelos países industrializados será obtida com a compra de créditos de nações em desenvolvimento e ricas em florestas, como o Brasil, que provarem ter diminuído a devastação. Pensando nisso, o índio Almir Suruí anunciou, em um evento paralelo da COP, uma parceria com a ONG americana Forest Trends, o Google e o governo da Califórnia para negociar a preservação de sua reserva, em Rondônia. Projetos como esse dependem de uma complicada avaliação técnica da densidade da vegetação local e de quanto ela estaria ameaçada se nada fosse feito. E é uma medida injusta – ou ineficaz. As florestas mais exploradas e vulneráveis têm 120 toneladas de carbono por hectare, enquanto as mais inacessíveis e conservadas chegam a 350 toneladas. Para simplificar, Tasso Azevedo, assessor do Ministério do Meio Ambiente e responsável pela elaboração da política florestal do país, tem um plano nacional, que deverá ser detalhado no ano que vem. “Vamos criar um preço mínimo”, diz. Quem comprovar ser dono de uma área e cuidar da preservação pode tentar negociar esses créditos no mercado, ou vendê-los ao governo.
O Brasil investirá US$ 166 bilhões para reduzir emissões
e está disposto a contribuir com um fundo global
 

5. Como aplicar o dinheiro destinado à mitigação?
É razoável que os países industrializados, responsáveis pela maior parte do aquecimento global até agora, financiem parte da transição das economias mais pobres para um caminho menos poluente. O presidente Lula afirmou que o Brasil não barganharia sua parte, investiria US$ 166 bilhões por conta própria e ainda estaria disposto a contribuir com um fundo global. A questão não é mais reunir o dinheiro, mas como usá-lo de forma inteligente. A ideia mais falada na COP eram os fundos nacionais, que incentivam fontes renováveis de energia. Alguns consultores temem, porém, que a decisão do governo de investir nisto ou naquilo leve ao desperdício, pela dificuldade de avaliar onde está a melhor relação custo-benefício e pela vulnerabilidade ao lobby de alguns setores. É o que sugere a experiência americana com o etanol. Subsídios federais mantêm o programa de etanol de milho, graças ao poder eleitoral dos Estados produtores, impedindo a competição com o álcool do Brasil, mais barato. E pesquisas afirmam que, considerando as etapas de produção e transporte, o etanol americano nem tira carbono da atmosfera. A solução preferida pelos consultores privados é que os governos estabeleçam um preço mínimo para o carbono que os projetos deixam de emitir. E que as empresas, ONGs ou mesmo governos locais montem projetos para disputar os créditos gerados pela mitigação das emissões.
Nas próximas três semanas, José Miguez, coordenador-geral de mudanças climáticas no Ministério de Ciência e Tecnologia, um dos mais experientes negociadores na COP, vai tirar licença de Natal e Réveillon. “Na primeira semana de folga, eu sonho todas as noites com os documentos, com cada palavra e os colchetes”, diz. “Só depois é que começo a dormir bem.” Difícil será ele manter o sono no ano que vem. Quando ele voltar, terá mais trabalho do que nunca, porque, depois de Copenhague, o mundo enfim despertou para a importância das mudanças climáticas.



Virginia Mayo
LANCHE ORGÂNICO
Simon Kristensen vende frutas na COP15. Suas maçãs trouxeram um sabor adocicado a uma conferência cheia de discursos amargos 
 
Revista Época, Alexandre Mansur (18/12)



 

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