O leitor haverá de me perdoar se nas linhas abaixo resolvi deixar de lado meu otimismo incorrigível para enumerar, de maneira resumida, assuntos sobre os quais o Brasil parece ter perdido a noção do perigo ou mesmo do bom senso.
Por que quando o assunto é agrotóxico, o país campeão mundial no uso
dessas substâncias venenosas ainda tem legislação frouxa, fiscalização
deficiente e uma estranha burocracia que impede a Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) de agir rápido quando se constata a
necessidade de retirar do mercado um determinado produto de elevada
toxicidade? Nas lavouras brasileiras são usados pelo menos dez produtos
proibidos na União Européia, Estados Unidos e um deles até no Paraguai.
Por que quando o assunto é transgênico, os protocolos de
biossegurança que antecedem o licenciamento de novas substâncias
geneticamente modificadas parecem ser sistematicamente desprezados por
parte da maioria dos doutores que integram a CTNbio (Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança), onde os Ministérios da Saúde e do Meio
Ambiente têm direito a voto, mas são minoria?
Por que no país do pré-sal o precedente aberto pelo mega-vazamento de
óleo da BP no Golfo do México (o maior desastre natural dos Estados
Unidos) não serviu de lição para que evitássemos o vexame do vazamento
da Chevron na Bacia de Campos, da forma como aconteceu, escancarando
inúmeras lacunas de ordem legal, institucional e operacional para
deleite das companhias que já operam 10 mil poços de petróleo no Brasil e
transformarão em breve nosso leito marinho num gigantesco paliteiro com
novos buracos abertos sabe lá Deus (ou Netuno) de que jeito?
Como foi possível aprovar um novo Código Florestal que foi alvo de
questionamentos importantes da comunidade científica – Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de
Ciências e da própria Agência Nacional de Águas (ANA) – nos precipitando
em uma direção cujos impactos ambientais, econômicos e sociais não
temos como avaliar hoje com clareza?
Até quando celebraremos – especialmente os economistas de plantão –
sucessivos recordes nas vendas de automóveis, sem considerar os
violentos impactos sobre a mobilidade urbana? Até quando vamos ignorar
os reflexos dos monumentais engarrafamentos, a qualquer dia e hora da
semana, sobre nossa saúde(inalação de poluentes, e estresse
físico e emocional para quem está preso dentro do seu próprio carro e,
principalmente, para os que penam no transporte público), nossa qualidade de vida (menos tempo para o descanso, lazer ou para a família), o meio ambiente (agravamento do efeito estufa), a segurança pública (maior exposição dos motoristas a assaltantes), a gestão municipal
(impossibilidade de atendimentos emergenciais, porque as ambulâncias,
viaturas da polícia e carros de bombeiros não conseguem mais chegar
rápido a seus destinos) etc?
Por que preferimos rotular todos os políticos de desonestos e
corruptos, sem exceções, em vez de destacar a atuação heróica de alguns –
são poucos, é verdade – mas que merecem nosso apoio porque sem eles
tudo seria mais difícil? Lembrando Sêneca:” A maior desgraça de quem não
gosta de política é ser governado por quem gosta”.
Como é possível nos afirmarmos como potência mundial, se nossos
indicadores na área da educação são simplesmente vexatórios?
Como é
possível aceitar que ainda tenhamos 14 milhões de pessoas que não saibam
ler e uma legião de mais de 36 milhões de analfabetos funcionais, que
mal conseguem assinar o próprio nome?
Como pleitear a condição de país desenvolvido se metade (56%) dos
domicílios do país não tem acesso à rede de esgoto e onde a monumental
letargia das diferentes esferas de governo impede qualquer previsão
seguras de quando esse problema será resolvido?
Todas essas questões poderiam estar sendo tratadas de outro jeito se tivéssemos a coragem de repeti-las mais e mais vezes.
André Trigueiro
Artigo publicado na edição de dezembro da Revista GQ
Fonte: Mundo Sustentável- André Trigueiro
Por isso que sou sua fã... maravilhoso artigo. Concerdo com vc André!!!
Balanço negativo em 2011!!
Érica Sena
Olá Érica Querida... Realmente não estás muito bem, pois não?
ResponderExcluirComo costumo dizer "Quando o Mau supera o Bom, não pudemos Ignorá-lo"... Nem que o Mau seja pequeno... E só divulgando e alertando as MANADAS deste Planeta para o MAU que estamos a gerar dia após dia, é que eventualmente conseguiremos alterar o rumo totalmente catastrófico que estamos actualmente a seguir...
Muitos Beijinhos para ti...