Eu e André Trigueiro no Lançamento do livro em SP- fev/12 |
O
jornalista André Trigueiro não para. Entre palestras, as aulas no curso
de jornalismo ambiental, idealizado por ele, na Pontifícia Universidade
Católica (PUC-RJ), a apresentação do Jornal das Dez e a chefia da
edição do premiado Cidades e Soluções, ambos da Globo News.
O jornalista
está lançando seu quarto livro: Mundo Sustentável 2 – novos rumos para
um planeta em crise (editora Globo Livros, R$ 44,90).
Nas 400 páginas de papel reciclado certificado, é possível encontrar
reportagens do jornalista veiculadas na Globo News e na Rádio CBN,
artigos publicados em diversos veículos de comunicação, além de textos
inéditos de diversos especialistas, entre eles, nomes como Adalberto
Veríssimo, Roberto Schaeffer, Samyra Crespo, Sérgio Abranches e Suzana
Khan.
Programado para ser uma atualização do livro “Mundo Sustentável:
Abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação”, a publicação
vai além ao abordar os desafios da maior crise ambiental da história da
humanidade. Para Trigueiro, o livro está mais bem acabado do que o
primeiro. “Superou as expectativas”, afirma. Os direitos autorais da
obra foram cedidos para o Centro de Valorização da Vida (CVV), que
completa 50 anos de serviço voluntário de apoio emocional e prevenção do
suicídio.
Nessa entrevista, concedida por telefone ao EcoD, o jornalista fala
sobre o livro e ainda sobre as expectativas da Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o avanço da
consciência socioambiental na política e no jornalismo, a liderança
internacional do Brasil na questão ambiental e os principais desafios da
área.
EcoD - No dia 6 de janeiro, você lançou publicamente o seu quarto livro. Como foi a receptividade?
André Trigueiro – Foi fantástica, uma tsunami verde
de gente, de todos os matizes ideológicos, políticos e espirituais. Esse
evento demonstrou que a sustentabilidade consegue aglutinar forças que
não são propriamente iguais. Mas que não são opostas por isso, são
apenas diferentes.
EcoD - O livro é uma coletânea de artigos seus e teve a participação de 35 especialistas. Como foi o processo de produção?
Trigueiro - O projeto original era para ser uma
edição revista e atualização do livro Mundo Sustentável: Abrindo espaço
na mídia para um planeta em transformação, lançado em 2005. Ano passado,
me chamou a atenção que o livro ainda estava em catálogo e com boa
vendagem. Mas eu estava constrangido porque em seis anos muita coisa
nova aconteceu e o livro, em alguns aspectos, estava datado. Esse
trabalho superou as expectativas e no final percebemos que, na verdade,
trata-se de um novo livro. A colaboração dos especialistas é inédita. Eu
acho que este livro está melhor acabado do que o de 2005.
RIO+20
EcoD - Essa nova edição foi inspirada na Rio+20?
Trigueiro - Não era essa a intenção. O livro era
para ter sido lançado há dois meses, mas houve um atraso no processo de
revisão. Quando o livro ficou pronto, percebi que, pela multiplicidade
de temas importantes na área do universo socioambiental, ele contempla a
agenda da Rio +20 sem ter sido essa a intenção original.
EcoD - E o que o senhor espera da cúpula?
Trigueiro - (Suspiro). Eu espero que seja algo mais
do que uma terapia de grupo, em que todo mundo diga como deseja a
mudança, o que precisa ser feito, mas não sacramente uma posição, nem
assuma compromisso. Porque o diagnóstico já existe, todo mundo sabe o
que deve ser feito. O mundo tem pressa nas medidas efetivas. Esse é o
risco da Rio+20: ser mais um cúpula onde vai haver os discursos mais
emocionantes e não se consiga acelerar o processo. Esse é o grande
desafio. Não podemos sair da cúpula como a gente entrou.
EcoD - Muitos especialistas temem que seja uma cúpula que somente analise o que foi feito nos últimos 20 anos, desde a Rio 92…
Trigueiro - Pelo que eu entendi, a pauta é discutir o
que seria uma economia verde e procurar promover um encontro das
expectativas do terceiro setor, que se reúne antes para formatar
propostas para os chefes de estados. Daí para frente não se sabe o que
vai acontecer. Mas não podemos esperar que a Rio+ 20 seja uma grande
conversa sobre 20 atrás, a gente tem que avançar. O que é incrível é que
já sabemos o que está errado e o que precisa ser feito. Falta fazer.
DESAFIOS NACIONAIS
EcoD - A conferência acontecerá no Brasil em
meio algumas polêmicas sobre políticas ambientais consideradas como
retrocesso, como a possível aprovação do novo Código Florestal. Quais
são os principais desafios ambientais do país?
Trigueiro – Uma questão você já levantou, nós temos
ainda uma dúvida sobre o que será o texto do novo código florestal. Ele
ainda passa por uma última etapa no Congresso antes de ir à sanção
presidencial. A presidente Dilma já disse que o Novo Código não será o
dos sonhos dos ruralistas, mas também não será aquele considerado o
ideal pelos ambientalistas. O que vai ser ela não disse. Há uma
expectativa nesse sentido. É importante que a gente faça esse link entre
o código florestal e as metas que o Brasil assumiu voluntariamente,
formatadas em lei, de redução de emissões de gases estufas através da
redução do desmatamento. Tenho a convicção de que a presidente Dilma tem
essa preocupação, de que como anfitrião (da Rio+20) não podemos aprovar
um novo código que coloca em risco o cumprimento de uma lei. Ele não
pode significar a redução das áreas vegetadas do Brasil.
EcoD - E além do código?
Trigueiro - Os outros quesitos eu acho que a gente
avança. Nós temos no Brasil a vantagem estratégica de ter uma matriz
energética majoritariamente renovável. É preciso consolidar essa posição
e manter a meta de não sujar com mais combustível fóssil a nossa
matriz. O Brasil foi um dos países que mais cresceram no mundo no
incremento da energia eólica nos últimos anos. É uma referência na área
do biocombustível, etanol e biodiesel. E o Brasil precisa, enquanto
megaprodutor de petróleo com a descoberta pré-sal, ser referência em
segurança. Todo o protocolo de segurança que envolve que a exploração do
petróleo nessa camada requer a atenção, porque há lacunas importantes.
Uma delas, diz respeito ao papel da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
As agências reguladoras foram criadas para ter autonomia, funcionar sem a
tutela do Estado. A partir do Governo Lula, elas tiveram o seu poder de
agência esvaziados. Alguns especialistas denunciam uma fragilidade no
arcabouço jurídico para uma ação firme de monitoramento e fiscalização
das petroleiras no Brasil. E isso é um problema. A gente precisa ter uma
clareza sobre o papel dessas agências.
EcoD - De certa forma, tivemos recentemente um vazamento que evidencia isso…
Trigueiro - Quais dos três? Nas minhas contas, foram ao menos três vazamentos recentemente…
EcoD - O do próprio pré-sal.
Trigueiro - Não, mas antes, sem ser pré-sal que é
mais preocupante pois a complexidade é maior, teve o vazamento da
Chevron e o de outra companhia na Baía de Ilha Grande. Os três têm em
comum o fato de terem acontecido muito próximo uns dos outros e as
circunstâncias, principalmente nos dois primeiros, não devidamente
esclarecidas. É muito importante termos a vigilância, a sociedade se dá
conta de que a atividade de petróleo é arriscada em todo o mundo. Talvez
não se tenha feito todos os esforços necessários para reduzir ao mínimo
esse risco.
EcoD - Recentemente o brasileiro Braúlio Dias
foi indicado para assumir o cargo de secretário de biodiversidade da
ONU, demonstrando o reconhecimento da intenção brasileira de liderança
internacional na questão ambiental. O país está preparado para assumir
esse papel?
Trigueiro - Com certeza. O mundo mudou. Esse mundo,
que a gente vê na geografia institucional da ONU, caducou. O Brasil se
destaca pelo seu território, população e economia como um país que tem
uma vocação natural para assumir um papel mais importante do aquele que
lhe foi atribuído no pós-guerra. É perfeitamente compreensível esse
protagonismo.
EcoD - Há muito que se fala sobre o equívoco que é o
modelo de consumo desenfreado. Na semana passada, um relatório do Ipea
destacou que o crescimento econômico não pode ser fundado nos recursos
naturais. Está havendo uma mudança de consciência real ou ainda se
enxerga a preservação ambiental como marketing?
Trigueiro – Há uma mudança de consciência. Agora, é
importante que essa mudança seja percebida nas diretrizes da política
econômica. Fico satisfeito em perceber que cresce o número de
economistas que ousam desafiar o pensamento econômico prevalente, o qual
ainda insiste em demonstrar que não há limite para capacidade dos
ecossistemas suprirem a humanidade de matéria-prima, energia e água.
Economia pensa muito em fluxo, mas não pensa em estoque.
INFORMAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE
EcoD - Na análise que fez da mídia no seu livro
Meio Ambiente no Século XXI, o senhor afirmava que a avalanche de
informações perturbava a capacidade de discernir o que é essencial. Esse
quadro já mudou? Como o senhor avalia a cobertura ambiental nesses
últimos anos?
Trigueiro - Eu acho que houve um agravamento com um
novo gênero de vício, que é a internet. Nós temos um problema: de tão
fantástica que é a capacidade de se comunicar rapidamente com tanta
gente através das redes sociais, muitas pessoas não tem controle desse
processo e passam longas horas no computador, o que exaure a capacidade
de elaborar a compreensão da realidade. Nesses últimos dez anos, tivemos
fatores de dispersão agravados.
Eu não gosto de usar expressão jornalismo ambiental. Eu não sou
jornalista ambiental, eu sou jornalista interessado nos assuntos da
sustentabilidade. Parece que o jornalismo em si não contempla ou não
deveria prestar muito atenção assuntos ambientais, porque disso cuida o
jornalista ambiental. Esse fracionamento não é, para mim, real. Esse
esquartejamento não deixa compreendermos uma realidade sistêmica. Se a
gente começa a fechar o foco em fragmentos, a compreensão dessa
realidade se dilui.
Os jornalistas, progressivamente, estão começando a entender que meio
ambiente não se reduz a bichinho e floresta. Já há uma percepção que
quando se discute uma pauta ambiental, estamos discutindo um modelo de
civilização, ética no desenvolvimento, qualidade de vida, saúde e
bem-estar, o direito de todos os seres. Estamos evoluindo, estamos
conseguindo perceber que nem tudo é possível explicar no lead. E que
existem meios no texto jornalístico de aludir à visão sistêmica.
EcoD - O jornalismo ambiental, ao defender a
preservação ambiental, quebra o dogma da parcialidade, tão defendido nos
cursos de comunicação. A sociedade estranha o “tomar partido”
jornalístico?
Trigueiro - Há questões sobre as quais os
jornalistas devem ser parciais. Não é possível, no jornalismo, a gente
achar que a corrupção tem dois lados: um bom e um ruim. Portanto, dentro
da linha editorial de um veículo de comunicação, jamais será possível
tolerar qualquer acolhimento da corrupção como uma ideia possível, uma
prática perdoável. Segundo exemplo: a escravidão. Ainda existe
escravidão no Brasil e no mundo. Não há dois lados da escravidão. Em
qualquer circunstância, ela é abominável e deve ser condenada. O mesmo
se aplica aos assuntos da sustentabilidade. Se a gente entende
sustentabilidade como condição da nossa sobrevivência em um planeta com
recursos finitos, teremos que repactuar a maneira como nos relacionamos
com a natureza. Nesse sentido, sustentabilidade é a senha para que
possamos todos viver nesse mundo, inspirados no que Gandhi disse: “A
terra possui o suficiente para garantir a necessidade de todos os
homens, mas não a ganância de todos os homens”. Sendo assim, não é
possível condenar a ideia da sustentabilidade. Se não reconfigurarmos os
modelos, vamos perecer.
EcoD - Você acredita que ainda dá tempo de evitar esse ecocídio?
Fonte: Mercado Ético- 16/2
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