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A sustent(habilidade) de pensar uma nova cidade
Cidades são espaços cheios de criação, de gente, de redes, de empresas, trabalho, consumo, esperanças e mazelas.
No Brasil, 86% da vida da população se manifesta nas cidades, lugares do ter, do ser, do trafegar, do lazer, do aprendizado, do individualismo exacerbado e do compartilhamento solidário.
Porém, as cidades funcionam como um aglomerado de organizações: igreja, empresas, órgãos públicos, instituições de ensino, associações, clubes, milhares de famílias, condomínios, cada um com seus milhares de processos de manutenção e organização, das tarefas cotidianas de produção, consumo, descarte, deslocamento. Cada um com sua(s) lógica(s), método(s), objetivo(s) particular(es), limitação(ões), e cada um buscando de forma mais eficiente possível se organizar, enquanto nossas cidades amarguram em ineficiência coletiva.
As habilidades organizacionais de cada setor, seja o primeiro, segundo ou terceiro, promovem eficiência, agilidade e resultados em suas ações. Transportadoras buscam entregar cargas nos horários previstos, empresas buscam alocar estoques de matérias primas nos locais permitidos, o cidadão busca colocar seu carro na rua para chegar no trabalho, lojas eshoppings se organizam para abrir as portas no momento correto.
Mas por que nossas cidades estão cada vez mais poluídas, cheias de resíduos, de lixo acumulado por toda parte, trânsito parado, sistemas de transporte obsoletos, ruas violentas, motoristas imprudentes, estruturas de luz, água e esgotos pendentes por manutenção? Por que hospitais públicos e postos de saúde não dão conta da demanda de doentes? Prefeituras não conseguem licenciar todos os empreendimentos imobiliários e acabam embargando vários deles que estão em funcionamento? Por que a malha viária não desloca pessoas e cargas com eficiência, e a qualidade de vida das áreas periféricas lembra filmes no interior da Índia?
Há de se refletir que há séculos nossas cidades são o palco constante de empreendimentos e investimentos de variados setores, que os aplicam com alto grau de planejamento, gestão e padrões técnicos. Mesmo com a competência de órgãos públicos municipais, estaduais e federais, a cidade continua crescendo e apresentando falhas estruturais graves.
Os resíduos industriais e domésticos são pouquíssimo reaproveitados (somente se recicla 2% no país) e há um desperdício sistêmico de energia, desde a elétrica na cara e obsoleta iluminação pública ao desperdício de petróleo nos milhões de motores parados no rushurbano. As cidades concentram o que há de mais moderno em soluções individuais e setoriais e falha na construção de um ambiente saudável e funcional para o cidadão.
O planejamento centrado na solução individual gera problemas no coletivo: a cidade, seus cidadãos, governo e setores produtivos não desenvolveram a capacidade de planejar e pensar coletivamente, sistemicamente.
Empresas não mapeiam possíveis receptores e compradores de seus resíduos, não levantam entidades da sociedade civil que precisam de verbas para suas ações sociais e ambientais e que poderiam fornecem algum subproduto ou insumo de sua cadeia produtiva.
O Ministério do Trabalho não acelera estudos que repensem a legislação do trabalho – que busquem diferenciar trabalho precário e subcontratação de parcerias entre o setor empresarial com cooperativas e organizações não governamentais. Falta uma nova legislação que incentive empresas cidadãs – aquelas que já geram benefícios socioambientais muito além da legislação – e que promova empréstimos a juros diferenciados, impostos com redução progressiva ao desempenho socioambiental da empresa. Por exemplo: montadoras de veículos que incorporassem equipamentos de segurança (airbags, freios ABS) em toda sua frota poderiam ter carga tributária diminuída, pois o governo teria menos gastos em hospitais pela redução da gravidade de alguns acidentes; hospitais privados que adotassem ações de educação para qualidade de vida de comunidades mais carentes poderiam compor um cadastro especial de descontos na importação de equipamentos, pois no médio e longo prazo desonerariam o SUS de pacientes devido a prática de medicina profilática pela educação.
A cidade e todos os seus setores podem construir ambientes de recriação e inovação, onde empresas repensem o deslocamento de funcionários, subloquem galpões abandonados nas regiões onde residam os funcionários de seus escritórios, aprimorem o teletrabalho, diminuam custos diante do sofrível deslocamento urbano e promovam mais tempo para seus funcionários produzirem melhor, estudarem mais e terem mais tempo de lazer em família.
A sustentabilidade – inspirada na forma na qual a natureza se organiza, sistemicamente, em rede, em sinergia, trocas e busca constante de equilíbrio – deve ser trazida para o debate, aprendizado e construção de novas práticas de produção, de convivência nas cidades, para construir propostas que diminuam desperdícios de tempo no trânsito, de energia, de matérias primas e de vidas.
Que se criem hubs não somente de coworking, mas de fomento e criação de novas propostas para a vida nas cidades, que sejam espaços que promovam diálogos entre empresas, ONGs e governos, no sentido de mapear novas possibilidades, visando à redução drástica de lixo no reaproveitamento de resíduos por todos, na redução dos congestionamentos no trânsito, na promoção de ambientes inclusivos, de participação de todos, na melhoria radical na qualidade da educação pública, agora atendida pela interação com funcionários das empresas e apoio das mesmas, na melhoria das condições de saúde advindas com a prática de agricultura urbana orgânica e na reformulação do conceito de moradia, não somente destinada ao descanso e ao consumo como também ao lazer e à cultura.
Que tenhamos coragem para apoiar as habilidades de inovação para sociedades sustentáveis, sinérgicas, com capacidade de diálogo e criação intersetorial, desburocratizadas, des-feudalizadas, saudáveis e ambientalmente preservadoras!
Que a sustentabilidade urbana tenha essa habilidade necessária para o futuro: o reconhecimento por parte de todos que dentro das nossas atuais caixinhas e segmentos, jamais poderemos enxergar o todo e darmos conta dos problemas do todo. O diálogo com outros setores é difícil, mexe com egos e segmentos fechados; porém, é fundamental. Permanecermos em nossas caixinhas – sejam elas ideológicas, institucionais ou profissionais – continuará trazendo soluções pontuais e enormes problemas macroestruturais na escala do urbano, pois não estamos imunes ao todo. Somos parte do todo, mesmo pensando que somos diferentes. Fazemos parte da cidade, nossas empresas estão na cidade ou próximas, nossas casas, nossas famílias, amigos, as instituições que frequentamos, as escolas dos nossos filhos, os templos onde buscamos a divindade até o cemitério no qual repousaremos. A habilidade de pensar nossas atividades econômicas com a cidade é uma das metas que deveremos adquirir em prol de um mundo melhor.
José Gonçales Junior é geógrafo pela USP, MBA em Sustentabilidade pela FGV/SP, consultor em Desenvolvimento Sustentável, docente de pós-graduação em faculdades em Campinas e São Paulo na área ambiental – sustentabilidade e ambientalista. Participa da Rede de Educadores da Plataforma Liderança Sustentável.
Muito bom artigo! Parabéns!
Érica Sena
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